Obras de Hans Hartung serão exibidas pela primeira vez na América Latina » Artes Visuais » Cultura » Infocultural

Obras de Hans Hartung serão exibidas pela primeira vez na América Latina

Artes Visuais - 22/10/2014
Obras de Hans Hartung serão exibidas pela primeira vez na América Latina Foto: Fundação Hartung-Bergman

A obra de um dos maiores nomes da arte abstrata do século 20, Hans Hartung (1904-1989), tem retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo entre os dias 7 de novembro deste ano a 12 de janeiro de 2015. Serão 162 obras, revelando para o público brasileiro a admirável trajetória artística do pintor e gravurista franco-alemão.

 

Um mestre do tempo e da abstração

São Paulo, outubro de 2014 – A obra do artista plástico Hans Hartung (1904-1989) é marcada por traços decididos, cores vivas e, sobretudo, gestos marcantes – mais planejados no início de sua carreira, mais espontâneos ao final. Iniciada nos anos 1920, quando realiza sua primeira exposição, interrompida pela Segunda Guerra Mundial, em que lutou pela Legião Estrangeira francesa, retomada após o fim dos conflitos e radicalizada até as décadas finais de sua vida, a produção artística de Hartung combina algumas tendências diferentes e muitos métodos de produzir arte.

Pela primeira vez na América Latina, o artista ganha uma grande exposição. Ao todo, 64 estampas, 29 pinturas sobre cartão, 26 telas de grandes dimensões, 28 obras em papel e 15 aquarelas encontrarão o público brasileiro nos quatro andares e no subsolo do Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo. Somam 162 trabalhos, que percorrem toda a trajetória do artista, de 1921 a 1989. A mostra ocorre de 7 de novembro a 12 de janeiro de 2015.

“Hartung foi um experimentador permanente. Afirmava que o tempo era um dos elementos constitutivos de sua obra – o tempo de executá-la, o tempo que o espectador dispendia para absorvê-la, as pausas, as acelerações”, afirma o organizador da mostra, Fabio Scrugli.

A produção do pós-guerra é que torna sua obra mais conhecida e celebrada. Nesse período, especialmente, seu nome é associado ao tachismo. A palavra tache, em francês, significa mancha. O movimento é o equivalente europeu ao expressionismo abstrato norte-americano. Outra forma de se referir a seu trabalho é classificá-la como “abstracionismo lírico” ou “abstração informal”.

Relâmpagos

Hartung nasce em 1904, na cidade de Leipzig, onde vive os primeiros anos. Os relâmpagos são a primeira imagem que, nos cadernos escolares, procura apreender. “Quando eu tinha a idade em que se desenham pessoas, eu desenhei em cadernos inteiros, em quantidade infinita, todos os relâmpagos que eu podia ver. Ver ou não ver. De cima para baixo, sempre relâmpagos, relâmpagos, relâmpagos.” Depois de passar por Bale e de retornar a Leipzig, o pai, médico, é transferido para o hospital militar de Dresden.

É em Dresden que Hartung completa, em 1924, o secundário e obtém o baccalaureat (certificação para o acesso ao ensino superior) em literatura. Mas, já em 1922, ele produz suas primeiras aquarelas abstratas. Em 1924, realiza desenhos a carvão e sanguínea (espécie de giz vermelho, composto de minérios de alumínio e ferro) que preservará mesmo nos tempos mais difíceis da Segunda Guerra Mundial e que vai expor a partir de 1945.

Chega a estudar filosofia em Leipzig, mas, após a morte de sua mãe, retorna a Dresden. Lá, em 1925, inscreve-se na Akademie der Kunste. Em fevereiro, assiste a uma conferência de Kandinsky sobre a abstração como um valor adquirido na história da arte. É um período de confronto com outras correntes da arte não figurativa – como as pinturas de Picasso e Matisse, que vê na exposição internacional de Dresden, em 1926 –, mas também com uma formação clássica, que inclui o trabalho de realizar cópias de Goya e El Greco.

Até 1935, serão anos de muitas mudanças e viagens pela Europa – sul da França, Munique (Alemanha), Holanda, Bélgica, Oslo (Noruega), Paris – e de algumas exposições coletivas. Em 1934, já após a morte de seu pai, deixa com a mulher Anna-Eva Bergman a ilha de Minorca (Espanha), e seguem para Paris e depois para Estocolmo. Hartung era visto com enorme desconfiança pelo regime nazista, que criava enormes dificuldades burocráticas para ele, com apoio das autoridades espanholas.

Em Minorca, Hartung vivera uma mudança em sua produção artística. Abandona o cálculo pela proporção áurea, que passara alguns anos tentando aplicar nas proporções dos quadros, e volta a produzir, como no início dos anos 1920, guiado sobretudo pelo instinto. “Eu estava farto. Um belo dia, mandei tudo ao inferno e me voltei aos meus antigos desenhos, eu retornava às minhas manchas de 1922-1924”, relembrou, anos mais tarde. “Eu entendi que o caminho que eu havia tomado uns dez ou onze anos antes era o verdadeiro para mim. Eu olhei enfim para meus antigos desenhos do tempo da escola. Eu larguei tudo e recomecei por eles.”

Hartung combinaria essa produção espontânea com um procedimento rigoroso, que usaria repetidamente até 1959. Os desenhos produzidos em papéis avulsos, muitas vezes cedidos pelos cafés que frequentava, eram transpostos em quadros a óleo sobre tela. “O sistema do decalque com ampliação consiste em reproduzir de forma idêntica, utilizando a técnica do quadriculado, sobre uma tela de grande escala, uma obra sobre papel realizada de forma espontânea. A linguagem plástica é densa e relativamente complexa, com linhas e traços de tensões variáveis”, explica o organizador Fabio Scrugli.

As dificuldades burocráticas com a Alemanha se acentuam. Em 1938 seu passaporte é confiscado e também se divorcia de Anna-Eva (com quem voltaria a viver em 1952). Em 1939 expõe na Galeria Henriette com Roberta González (filha do artista plástico Júlio González), com quem em breve se casaria, e integra a mostra Abstract Concrete Art no Guggenheim Jeune de Londres e no Salon de Réalités Nouvelles, na Galeria Charpentier em Paris.

Intervalo artístico: Segunda Guerra Mundial

Em 1939, é declarada a guerra, e Hartung se alista na Legião Estrangeira. Enviado à África, recebe formação militar. Com o acordo de paz de 1940, é desmobilizado e permanece na zona não ocupada pelos alemães (o chamado regime de Vichy). Sua produção artística é reduzida. Em maio de 1943, o sul da França é ocupado, e Hartung acaba, novamente, após sete meses de prisão na Espanha franquista, sendo integrado à Legião Estrangeira, sob o nome de Pierre Berton. No dia 20 de novembro de 1944, durante um ataque a Belfort, trabalhando como maqueiro, é gravemente ferido e tem amputada a perna direita.

A partir de 1945, Hartung retoma a atividade artística. Em fevereiro de 1946, participa de várias exposições de grupos. Em julho, suas telas são exibidas ao lado de obras de Kandinsky, Magnelli, Delaunay e também Mondrian no Salon des Réalités Nouvelles. Sua primeira exposição pessoal do pós-Guerra ocorre na Galeria Gasser, em Zurique, sob o título de Jean Hartung (Jean Gauthier foi seu primeiro nome de guerra). São expostas sete telas, num estilo mais geométrico, raro em seus trabalhos.

Está iniciado um período de amplo reconhecimento de seu trabalho. O cineasta Alain Resnais realiza um curta sobre Hartung em seu ateliê. O filme é apresentado na Alemanha em 1948, e na Livraria-Galeria La Hune em 1950, durante o lançamento da primeira monografia sobre sua obra.

As exposições se multiplicam na França e internacionalmente. Na América, Hartung aparece em duas exposições coletivas, uma em Nova Iorque na galeria Betty Parsons (Painted in 1949) e no Museu de Arte Moderna de São Paulo, organizada pelo crítico de arte Léon Degand: “Do Figurativismo ao Abstracionismo”. Uma peça de Hartung, datada de 1947, aparece ao lado de obras de Magnelli, Soulages, Calder, González, Kandinsky, Doméla, Arp e Poliakoff.

Até 1960, o método de realizar esboços antes de partir para a pintura se mantém. A partir de então, tem início as produções de obras em grandes formatos já diretamente em telas. “A partir de 1960, eu comecei a improvisar diretamente, até em telas grandes, sem passar por esboços prévios [...] Frequentemente, eu não mexo em certos acidentes, certos erros ou contradições que influenciaram a criação do quadro e deram-lhe mais vida.” Na Bienal de Veneza deste ano, uma sala inteira do pavilhão francês é dedicada à sua obra. É o período em que o gesto de pintar se inscreve fortemente na tela. Essa fase constitui-se num dos momentos que marcam a carreira de Hartung, explica Scrugli. “O gesto é incisivo e cortante. A precisão do gesto toma forma de diferentes maneiras: esfola, arranha, lacera, raspa. O gesto é veemente, expressivo, súbito”.

Hartung segue experimentando, e na nova fase, passa a aplicar, com o uso de diferentes utensílios que faz questão de catalogar, raspagens de linhas gráficas da pintura ainda fresca. Passa a produzir mais telas do que obras sobre papel e cartão. “Durante esse período de raspagem, infiltrava-se uma tendência a grandes superfícies sopradas. Meu trabalho então, nessa época, era o resultado do encontro de duas técnicas que permitiam formas e signos que eu procurava exteriorizar. Eu havia encontrado um meio para soprar a cor sobre a superfície da tela, de início com a ajuda de um aspirador invertido e, em seguida com a ajuda de ar comprimido, e eu empregava essas técnicas simultaneamente.”

Telas de grande porte

Na década seguinte, Hartung passa a produzir telas de grande porte e de cores vivas próximas da série de pinturas sobre cartão dos anos anteriores. As exposições internacionais se sucedem. Em 1975, o Metropolitan Museum of Art em Nova York celebra suas telas de 1971 com Hans Hartung – Pinturas 1971. Em novembro, a Lefebre Gallery festeja seu aniversário: Salute to HH in celebration of his seventieth birthday. Sua autobiografia, Autorretrato, é publicada no ano seguinte, em colaboração com Monique Lefebvre, pelas edições Grasset.

“Por volta de 1978, Hartung continua experimentando: ele utiliza agora pincéis vegetais, galhos, que ele mergulha ou aplica diretamente por marcação sobre a tela. A experimentação é às vezes levada ao seu extremo, até a exaustão, como é possível ver nas telas mais 'atmosféricas'”, avalia o organizador.

Nos anos 1980, Hartung ganha uma sala permanente na Staatsgalerie Moderner Kunst de Munique. Suas fotografias são, pela primeira vez, objeto de uma exposição no Museu Nacional de Arte Moderna, no Centro Georges Pompidou de Paris (HH fotografa). Segue experimentando novos materiais em técnicas de pulverização. Em 1989, seu último ano de vida, recebe o título de Grande Oficial da Legião de Honra, entregue por François Mitterand, então presidente da França.

A exposição do Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo, assim, realiza um fantástico passeio pela obra desse grande mestre do tempo e da forma abstrata. Oportunidade única de conhecer um artista extraordinário.

"Hans Hartung - Oficina do Gesto é patrocinada pelo Banco do Brasil e tem o copatrocínio da Embaixada da França no Brasil e Instituto Francês do Brasil".

Serviço:

Exposição: Hans Hartung  Oficina do Gesto

Data: 07 de novembro de 2014 a 12 de janeiro de 2015.

Local: Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo.

Endereço: Rua Álvares Penteado, 112 – Centro. São Paulo

Horário: de quarta a segunda, das 9h às 21h.

Telefone: (11) 3113-3651.

Curadoria: Fundação Hartung-Bergman

Nathalia - Agência Tales Rocha
© Todos os direitos reservados. 2024.
Email: infocultural@infocultural.com.br
Painel Administrativo