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Sandro Penelú

Caneta Afiada

06/01/2022

Sempre sobra pra alguém


Há algum tempo, assisti a uma palestra em um dos templos religiosos da cidade. Quando já estávamos acomodados no banco de madeira, eis que adentra o recinto um sujeito que devia pesar uns 200 quilos, no mínimo. Caminhou em nossa direção, sentando-se ao meu lado.

No “arriar das malas”, ele foi logo mostrando a sua tremenda falta de educação e princípios. Começou abrindo demasiadamente as pernas e apoiando os cotovelos no recosto do banco. Tivemos de nos espremer para permitir o conforto daquele cidadão.

Passados alguns minutos, ele começou a dar o seu show particular: enfiou o indicador da mão direita no ouvido direito e passou a friccioná-lo sem cerimônia alguma. Parecia até que ele estava em casa, à mesa, com os seus familiares.

De vez em quando, ele retirava o dedo do ouvido e dava aquela olhadinha para a ponta da unha como para verificar “in loco” a quantidade de cera que havia retirado.

Todos que viam aquela cena estavam constrangidos, menos o cara, é claro. Ninguém prestava mais atenção ao palestrante que, diga-se de passagem, era muito bom.

Aí, o pior aconteceu: o indivíduo meteu o dedo no nariz e começou a “limpar o salão”. O próprio palestrante estava constrangido. Parecia até mesmo desconcentrado. E o sujeito continuava como se estivesse fazendo a coisa mais natural do mundo. Enfiava o dedo no nariz, olhava a ponta do mesmo e depois o baixava para limpar, ora na quina do banco, ora na própria calça.

Para que o show ficasse completo, só estava faltando ele bufar e arrotar... E eu fiquei me perguntando: será que alguém vai ter a coragem de apertar a mão desse sujeito na hora da saída?

Após o término do culto, passou a acontecer um momento de confraternização espontânea entre os presentes. Todos iam se abraçando e se cumprimentando efusivamente. Saímos como um raio de perto daquele sujeito mal educado, temerosos de que ele viesse a querer apertar nossas mãos com aqueles dedos sujos de meleca e cera.

Mas ele pareceu que não queria entregar os pontos assim tão facilmente. Caminhou resoluto em direção ao próprio pastor e já com a mão direita estirada. Este, ao perceber a intenção do indivíduo, ficou estático e deve ter pensado: “E agora? O que é que eu faço? Mas, seja lá o que for, não vou apertar a mão desse sujeito nem que a água vire vinho e o vinho vire água”. (Cá, cá, cá, cá!) E, meio que discretamente, foi se virando para apanhar alguma coisa ou como quem vai falar com alguém.

O cidadão, percebendo a manobra, deu meia volta no púlpito a fim de surpreendê-lo de frente.

Tudo se deu no espaço de um minuto: o tecladista, carregando seu instrumento, esbarrou-se sem querer no mal educado, enquanto alguém chamava pelo pastor na mesma direção daquele indivíduo. O tombo foi o suficiente para fazê-lo erguer um pouco a mão direita e encontrar a boca do pastor que se virava naquele momento.

Os dedos ensebados de meleca e cera foram direto nos lábios do pastor, que aos poucos foi sentindo um gostinho salgado e indigesto, enquanto aceitava as desculpas do gordão, que dizia: “A paz do Senhor, irmão”.


Sandro Penelú