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André Pomponet

Uma crônica de Aloísio Resende sobre o cinema

28/01/2020

Há quase 100 anos o poeta feirense Aloísio Resende publicou uma crônica bem-humorada sobre o sucesso arrebatador do cinema mundo afora e, também, aqui na Feira de Santana. Saiu na edição de 7 de agosto de 1921 do extinto jornal feirense A Flor: “No decorrer destes últimos tempos o cinema tem seduzido a humanidade, tornando-se a sua distração favorita, a sua paixão predominante”. Segundo ele, raros eram os jornalistas, poetas e “rabiscadores de croniquetas e rodapés” que não suspiravam por uma estrela americana em ação nas telas.

Mais adiante ele diagnostica a epidemia no município: “Aqui na Feira mesmo, é muitíssimo resumido o número dos que não conhecem o arrojado Eddie Polo, o famoso Elmo Lincoln, o cínico conquistador Eric Von Stroheim, o irrisório Carlito, a destemida Mary Walcamp, a genial Virgínia e a debochada Priscilla”.

Segundo ele, muitos cinéfilos passaram a nutrir paixões secretas pelas atrizes que desfilavam nas telas. Sentimento que custava pouco, conforme sua cômica observação: “Um mil-réis para vê-la, apenas um mil-réis é o preço de uma amante intrépida e formosa na tela do Sant’Anna”. Ao que tudo indica, Sant’Anna era o nome do primeiro cinema da Feira de Santana.

As paixões despertavam até mesmo polêmicas entre os cinéfilos. É o caso de uma contenda entre seus amigos João Batista e Almeida – fãs das atrizes Pearl White e Priscilla Dean, respectivamente – que quase termina em sopapos. A intervenção providencial de Resende impediu que chegassem às vias de fato:

E graças a um delicioso cálix de Jerez finíssimo que ofereci a cada um dos contendores, findou-se em paz o violento debate, no silêncio da noite gélida e sombria...”, arremata o poeta. A crônica integra o livro lançado pela Fundação Senhor dos Passos com as edições de A Flor de 1921, organizado por Carlos Mello e Carlos Brito.

Quem foi

Aloísio Resende nasceu aqui na Feira de Santana em 26 de outubro de 1900. Antes de se firmar como jornalista trabalhando no jornal Folha do Norte – publicação que disseminou boa parte de sua produção poética entre os anos de 1928 e 1940 – circulou por outras cidades nordestinas exercendo o ofício: passou por Maceió, pelo Recife e, também, por Salvador.

Nessas andanças pelo então Brasil Setentrional chegou a trabalhar até mesmo em São Luís do Maranhão. Na Bahia, empregou seus talentos na vizinha cidade de Alagoinhas. Depois, já em meados dos anos 1920, retornou para a Feira de Santana.

Ao longo de sua vida Aloísio Resende não conseguiu publicar nenhum livro. Negro, de origem modesta, pelo que se sabe dispôs de pouca instrução formal, mas evoluiu como autodidata. Desempenhou as funções de revisor e redator em diversas redações antes de se firmar, sobretudo, como poeta.

Retornou à Feira de Santana e viveu por aqui até a morte, prematura, em 1941. Foi o poeta do candomblé na cidade – naquela época obscura de pouca tolerância com o credo –, assim como das tradições e da cultura africana. Viveu vida boêmia e, como reconhecimento, batiza uma rua no bairro Queimadinha, nas cercanias de onde viveu.

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